22 março 2013

There are a lot of things we don't want to know about the people we love.


Sento nesse cômodo que agora me parece estranho e não consigo parar de encarar aquela caixa no canto do cômodo perto da porta. Mas é só papelão. Só papelão... não é?
Não!
É o dia em que fomos andar de patins no parque e ralei meu joelho. (E eu só caí porque fiquei com vergonha de dizer que não sabia andar). É a primeira vez em que você cozinhou pra mim e eu menti que a comida estava boa (sendo que você queimou metade de tudo). É a primeira vez em que dormi na sua casa e fiquei com vergonha de que você me visse de pijama. É a primeira vez em que você dormiu aqui e você usou minha escova de dentes. É o peixinho dourado que comprei pra você e que morreu por você não alimentá-lo. É o jeito que você tinha de me convencer. É toda e qualquer conversação até o amanhecer. É a primeira vez em que eu te chamei de "amor" e você nem percebeu. É a reposta vaga que você me dava quando eu perguntava da sua rotina. É todo presente com a cor/tamanho/sabor errado. É toda vez em que você nem ouviu o que eu falei. É toda vez em que eu indiquei uma música e você não ouviu. É toda vez que meu telefone não tocou quando você disse que ligaria.
A campainha toca e eu me levanto com pesar. Abro a porta num suspiro fundo e te encaro. A última vez em que pretendo te ver.

Existem várias coisas que não queremos saber sobre as pessoas que amamos. E a principal é que elas não nos amam.

07 março 2013

Ametista


Acordo sentindo a cabeça pesada. Tento levantar da cama de uma vez só, mas parece que uma bigorna me puxa para baixo. Respiro fundo e faço força para sair da cama. Consigo sair do quarto e, oh, droga, toda essa claridade me incomoda. Fecho as cortinas com pressa e quando o cômodo já está escuro o suficiente, olho ao meu redor.
Não sei dizer direito que horas são pelo relógio da sala e vou para a cozinha. Minha cabeça dói assim que minha pele descalça toca o piso. Droga. Espirro um par de vezes seguidas e me xingo mentalmente. Droga, de novo.
Abro o armário, pego a primeira caneca que encontro. Abro a geladeira, espirro mais um par de vezes e pego o leite. A caneca já devidamente preenchida vai para o microondas. Digito um tempo qualquer pré-programado e me encosto no balcão.
Fecho os olhos por um momento e lembro de quando você me fazia café da manhã: eu ficava sentada no balcão esperando e quando eu me distraía você me surpreendia com um beijo. Droga, droga, droga! Abro os olhos depressa me perguntando se o microondas não está demorando para apitar.
Aperto o botão para cancelar e seguro a caneca numa mão enquanto procuro por canela no armário. Jogo um pouco na caneca e vou para a sala.
Sento no sofá e expiro, como se aquilo fosse um baita d'um alívio. Aquele cômodo escuro parece muito mais aconchegante agora.
Tomo o primeiro gole da bebida e estranho o gosto doce. Quanto tempo eu não colocava canela no leite? Ah.
Canela, canela, canela.
Eu estou mesmo usando um remédio que você me indicou?
Quanto tempo ainda vai durar essa ressaca de você?

03 março 2013

Amnesia


Dizem que uma vez fora do ensino médio você começa a esquecer das coisas. Mas não se esquece de uma vez, isso acontece gradualmente: você esquece as matérias, os horários das suas aulas, os nomes dos professores que você não gostava tanto assim e as pessoas que não tinham um papel importante na sua vida.
Então vão-se os passeios, as visitas técnicas, as excursões, as semanas de prova e o número do seu armário.
Vai-se o seu número da chamada, o lugar onde você se sentava no lanche todo dia, a marca do seu material, a cor da sua caneta preferida, as palestras entediantes que te proporcionavam aulas vagas.
Você tenta manter os momentos das aulas que você cabulou, os beijos que você deu atrás do anfiteatro, o cara com quem você ficou de mãos dadas na arquibancada e aquele gol dedicado a você.
Você tenta se segurar também aos nomes daqueles que você acreditava que eram seus amigos, os nomes dos professores que te deixavam cabular aula, os que te davam pontos a mais pra passar e os que facilitavam as respostas da prova.
Você faz força pra lembrar o nome do funcionário que abria o portão para você todo dia, o nome da moça na secretaria que te atendia bem, o nome da fiscal do corredor que te dava bronca por te ver de mãos dadas com alguém, o nome das pessoas para quem você falavam "bom dia" toda manhã e os momentos decisivos de todo esse tempo, mas, eventualmente, tudo se vai.
Você chega ao ponto de ter que pedir ajuda para um conhecido para se lembrar do seu primeiro dia daqueles anos terríveis, o nome da primeira pessoa com quem você falou e quem foi sua primeira paixão platônica.
Mesmo com a ajuda de um conhecido você não consegue lembrar o nome de todas as pessoas que estudaram com você, todos os momentos importantes e todas as situações embaraçosas que aconteceram.
A maioria parte daqueles (novecentos e tantos) dias se torna um borrão. Nada além de um grande e escuro borrão. Memórias que você não sabe se realmente aconteceram ou se você as imaginou.
Dias que pareceram o inferno, mas agora aparentam mais ser parte do purgatório.