26 maio 2012

Capítulo 125 - O avesso do avesso do avesso do avesso


Era uma menina engraçada, porém não engraçada de uma forma divertida, ela era de um engraçado nostálgico. Ela era uma pessoa triste, era fato, e ela se achava a pessoa mais triste que conhecia  - e ela conhecia várias delas (gostava de gente triste assim, era mais fácil de conviver e menos a se explicar) - e talvez, ela fosse. Pensava em sua existência como algo um tanto infeliz, porém ela não sabia como mudar isso. Ela não gostava de médicos, psiquiatras, psicólogos: ela sabia e entendia que a única pessoa que poderia fazer com que ela mudasse era ela mesma.
Ela não conseguia ver a graça de coisas normais, logo não gostava de bailes, multidões, músicas agitadas, pouca roupa e parques de diversão. Vivia, de certa forma, reclusa em casa - e saía para estudar, coisa que gostava de fazer. Ler, também, era um dos grandes prazeres dela. Ela via uma beleza diferente na madrugada e gostava de ficar escrevendo até mais tarde (escritos para não-sei-quem, que nem ela mesma sabia quem era, já que) era uma escritora frustrada e não tinha leitores. Se interessava pelo frio e como ele a fazia sentir. Ela queria sempre saber como as coisas funcionavam e tinha uma curiosidade extrema sobre tudo. Ela se sentia excluída e deixada de lado, vendo em si um grande vulto quando olhava no espelho.
("Quem era aquela mesmo? Quem fui ou quem sou?", mas ela não conseguia responder). Ansiava por alguém que conseguisse compreender suas tramas (e dramas) mais indecifráveis. Sofria com a angústia de se sentir tão diferente e não ser aceita. Pensava no mundo como um grande e infinito mar - e as estrelas eram os grãos de areia no fundo do mar (logo, nós estaríamos olhando para baixo ou estaríamos no meio da grande agitação que uma criança que passara correndo causou); os comentas eram grandes e rápidos peixinhos cintilantes que passavam por nós (nós: um grande coral sendo depredado por seus próprios peixes-palhaço). Ela conseguia ver a belezana tristeza e na nostalgia, era como ela sabia viver e com o que sabia/conseguia lidar.
Ela não era de muitos amigos, afinal, não eram todos que conseguiam suportar seus constantes descontentamentos (que não eram assim tão contentes). Procurava nas pessoas algo que a conectasse: algo que dissesse "Estou aqui para você", porém ela não parecia ter resultados positivos em sua busca. Ela sofria com a ausência constante de algo que ela não sabia o que era (e talvez não viesse a saber tão cedo). Ela queria se fazer entender, porém parecia estrangeira num lugar que não era familiar a ela.

13 maio 2012

Capítulo 124


Pior do que sofrer com a dor (consciente ou não) de matar alguém é o eterno purgatório em que se vive enquanto a alma da pessoa ainda te assombra.
Todos os "se"s, "mas"s, pedidos de perdão e desculpa. Sussurros, choros e lamentos que vêm no pacote junto com o peso total do corpo (daquele que já foi alguém amado).
Suportar a presença onipresente de alguém que você já não consegue encarar. A voz que insiste em lhe lembrar: "Ainda estou aqui. Você não me esqueceu.". O espaço de uma mala maior do que você esperava carregar. O desconforto de um sapato números maiores que o que você calça. O incômodo causado por uma alergia cutânea. A agonia da paranoia de enxergar algo que ninguém mais vê.
E num instante, deixar que a faca deslize lentamente por entre os seus dedos, chegando ao chão e causando um barulho agudo. Fechar os olhos enquanto respira fundo e dar meia volta, deixando que você (e talvez a pessoa) viva num passageiro inferno - ao menos você pode fazer o que quiser: já está no inferno mesmo.

06 maio 2012

Capítulo 123


Eu não estava realmente acordada, nem realmente dormindo e às vezes confundia sonho com realidade. Os dois tinham a mesma validade para mim. Minha cabeça doía - assim como todo meu corpo -, mas era um tipo diferente de dor. Meu corpo formigava e eu me sentia aérea e aleatória a tudo que acontecia ao meu redor. Os dias passavam num flash e não consigo me decidir por onde definir a divisão dos dias. A hora de dormir se emendava com a hora de acordar e todo o resto não faz sentido: me decido, afinal. O "tic tac" do relógio me incomodava por ser tão alto num momento tão silencioso como a madrugada. Afinal, esse "tic tac" não é nada mais que uma contagem regressiva: eu só não sei para quê. Me sentia dispersa e aleatória logo que nada que faço tem mais importância que mais um dos grãos de areia da praia. "O que vou fazer da vida?", me pergunto enquanto a vida me enrola como num carretel - ou num carrossel.
E permaneço aleatória, num mar de opções, submersa em todas essas escolhas sendo que sou uma criatura terrena.